Quando se aborda o empreendedorismo e inovação, de forma imediata, associamos a temática a figuras incontornáveis como: Steve Jobs, Bill Gates ou Jeff Bezos. O percurso de sucesso destes inovadores e empreendedores é conhecido por todos nós e são, efetivamente, exemplos de sucesso enquanto visionários e criadores de novas tendências de mercado.
No entanto, pretendo focar-me no contexto laboral nacional. Onde os colaboradores, ditos inovadores e empreendedores, não são, necessariamente, aqueles que abandonaram a sua entidade empregadora e fomentaram um negócio visionário, transformando-se nos novos criadores de paradigmas da economia nacional. Assim, vou procurar centrar-me no quotidiano laboral e na forma como a mudança é sentida pelas empresas e pelos colaboradores.
Enquanto recrutador de perfis middle e top management no setor da engenharia, tenho tido a felicidade de me cruzar com profissionais que, por iniciativa própria, realizaram ações ou planearam novos métodos de trabalho. Sempre com o objetivo de dinamizar a sua área de negócio com sucesso. Naturalmente, estamos perante pessoas que se encontram inseridas em organizações que lhes estimularam essa atividade empreendedora. Possibilitando-lhes o desenvolvimento de ideias próprias e a implementação das mesmas; aumentando a capacidade de inovação e de competitividade da empresa. Contudo, pela natureza das próprias organizações, nomeadamente as já estabelecidas nos mercados de uma forma consistente, não é raro ocorrer uma tendência para a restrição do espírito empreendedor.
Concretizar ações novas para a organização, pode ser limitado ou mesmo visto como inexequível por parte dos colaboradores.
Assim, para que a inovação seja compreendida por todos os integrantes da organização, é necessário que o empreendedorismo organizacional integre a estratégia e valores da empresa. Para tal, deve ser inserida numa abordagem top-down.
Nesse âmbito, questões concretas como: a criação de novos modelos de negócio; o fortalecimento da marca num determinado mercado; a melhoria no atendimento ao cliente; ou a redução dos desperdícios operacionais são exemplos de objetivos e ações que vários profissionais partilham comigo. Demonstrando-os assim como procedimentos viáveis de inovação no seu contexto laboral. Isto é empreendedorismo e inovação!
Nesta visão, empreender e inovar é a restauração de algo, por quem não assume responsabilidades na administração da organização, com recursos providenciados pela empresa. Mas, para que esta modalidade de reformular procedimentos, terá de ocorrer uma conjugação de três vetores: cultura organizacional da empresa; responsabilidade das chefias e líderes; atitude dos colaboradores.
Relativamente ao primeiro aspeto, a cultura organizacional:
Esta terá necessariamente de estar preparada para uma abordagem motivacional e não inibidora em relação aos colaboradores. Empresas que se limitam a exigir às pessoas essencialmente o cumprimento de processos, inibem a capacidade criativa e inovadora das equipas. Naturalmente, em todas as organizações existem normas e regras gerais que dificilmente serão colocadas em questão. No entanto, poderão existir procedimentos que sendo alterados, ou mesmo eliminados, beneficiam o negócio. A existência de uma cultura de feedback em que o colaborador seja incentivado a propor alternativas será o primeiro passo para o sucesso desta modalidade.
Face a este contexto, o papel das chefias e dos líderes assume uma importância vital para o sucesso deste modelo.
A capacidade de criar um ambiente de pertença e de compromisso junto dos colaboradores facilitará a oportunidade de criar uma esfera de reflexão. Assim como a possibilidade de criticar positivamente, propondo alternativas exequíveis e adequadas à realidade da organização. As chefias deverão legitimar essa abordagem crítica, através da auscultação da equipa, considerando as sugestões de quem, operacionalmente, poderá contribuir para a mudança; adequando os objetivos individuais aos da empresa; envolvendo todos nas metas da organização – aqui o líder possibilita que o colaborador sinta que, realmente, poderá fazer a diferença com a sua opinião, sugestão e implementação de algo diferente. Contudo, estes dois vetores não terão qualquer significado, se não existir na estrutura um perfil de colaborador específico.
O perfil do empreendedor
São necessárias pessoas proativas, com pensamento crítico e que projetem soluções inovadoras face a problemas existentes; ou alternativas que implementem melhorias na sua área de negócio. O sentimento de compromisso com a estrutura e um elevado nível de envolvimento com a sua área de negócio são aspetos intrínsecos e fundamentais para a inovação.
Tenho vindo a assistir a mudanças na ponderação de critérios que influenciam todo o processo de recrutamento. Os comportamentos e as atitudes evidenciadas num candidato assumem, atualmente, um peso importante no momento da seleção. No setor da engenharia existem os conhecimentos técnicos e a experiência comprovada numa determinada área que, objetivamente, os candidatos possuirão ou não. No entanto, as chamadas soft skills são cruciais.
E porquê? Porque as empresas pretendem profissionais que assumam a vertente crítica e que impulsionem mudanças. Sejas elas de índole micro ou macro.
A título de exemplo, o recrutamento de um responsável de produção em ambiente industrial implica a posse de: criatividade; capacidade de resolução de problemas; capacidade de comunicação; flexibilidade mental; entre outras competências que pouco estão relacionadas com a sua formação académica. São estes profissionais que serão empreendedores e inovadores na sua área. Assumindo, igualmente, um papel impulsionador junto das suas equipas para essa mesma criatividade.
À semelhança do privilégio que tenho em conhecer profissionais empreendedores, também é habitual estar perto de estruturas organizacionais que fomentam o ambiente inovador. Contudo, também estou próximo de tantas outras empresas em que não existe esse “canal aberto” ao colaborador.
A realidade empresarial nacional
Na realidade empresarial portuguesa, algumas organizações terão de se submeter a uma auto-avaliação. E, se realmente for do seu interesse, possibilitar a implementação da cultura do empreendedorismo no seu interior. Essa reflexão irá obrigar à alteração de paradigmas na perspetiva top-down. Sendo assim, a mudança e a possibilidade de erro, não deverão ser vistas como ameaças, mas como oportunidades de melhorar. Em vez de uma inovação revolucionária e limitada no tempo, deverá ocorrer um verdadeiro processo de melhoria contínua. Por fim, a monitorização e o controlo passa a uma confiança mútua e bidirecional, fomentando autonomia e responsabilidade no colaborador.
Do ponto de vista generalista, a prática da inovação e do empreendedorismo dentro das empresas encaminhará as organizações para situações vantajosas. Do ponto de vista dos colaboradores, esta modalidade fortalece o crescimento próprio, através de uma postura criativa e de agilidade. Por parte das empresas, é estimulada a procura de soluções que poderão representar uma vantagem competitiva no mercado, uma vez que surgirão da própria estrutura, por quem tem credibilidade e legitimidade para as propor – os colaboradores, quem operacionaliza. Esse reconhecimento permitirá às empresas reter talentos, otimizar recursos e manter o capital intelectual a seu favor.